· Liderança · 4 min read
Liderança Tecnológica em Startups de IA: Lições de 12 Anos Construindo Equipes
Reflexões sobre os desafios e aprendizados de liderar equipes técnicas em startups de IA, desde bancos de investimento até healthtechs, e como construir culturas de inovação sustentável.

Depois de 12 anos liderando equipes de data science e IA em diversos setores - de bancos de investimento a hospitais, de startups early-stage até scale-ups - quero compartilhar algumas reflexões sobre o que aprendi sobre liderança tecnológica no ecossistema brasileiro de IA.
O Desafio Único das Startups de IA
Liderar uma startup de IA é fundamentalmente diferente de liderar uma startup tradicional. Não é apenas sobre product-market fit ou escalabilidade - é sobre navegar em um campo onde o próprio conhecimento está evoluindo exponencialmente.
A Curva de Aprendizado Perpétua
Na WingsAI, nossa fábrica de produtos verticais de IA, enfrentamos constantemente o desafio de:
- Manter a equipe atualizada com os últimos avanços (GPT-4, LLaMA, Claude, etc.)
- Balancear exploração vs. execução - quando apostar em tecnologias emergentes vs. entregar produtos estáveis
- Gerenciar expectativas de stakeholders que muitas vezes superestimam ou subestimam o potencial da IA
Construindo Equipes de Alta Performance
1. Contratação: Além das Habilidades Técnicas
Nos primeiros anos da minha carreira, focava demais em competência técnica pura. Hoje, priorizo:
Curiosidade Intelectual
Prefiro um desenvolvedor curioso que aprende rápido do que um especialista inflexível.
Comunicação Clara
IA é interdisciplinar. Quem não consegue explicar conceitos complexos para não-técnicos limita o crescimento da equipe.
Resiliência a Falhas
Em IA, 80% dos experimentos falham. Precisamos de pessoas que veem falha como aprendizado, não como fracasso.
2. Estrutura Organizacional Híbrida
Descobri que equipes de IA performam melhor em estruturas híbridas:
- Squads autônomos para produtos específicos (SmartFin, RHR, BeloPrato)
- Centro de excelência compartilhado para pesquisa e infraestrutura
- Rotação regular entre projetos para evitar silos de conhecimento
3. Ritmo Sustentável vs. Pressão de Mercado
O mercado de IA brasileiro está aquecido. VCs pressionam por crescimento acelerado, clientes querem soluções ontem. Mas aprendi que ritmo sustentável vence corrida de 100 metros.
Implementamos:
- 20% time para exploração pessoal (inspirado no Google)
- Semanas de aprendizado trimestrais focadas em novas tecnologias
- Post-mortems sem culpa para extrair aprendizados de falhas
Lições dos Diferentes Setores
Fintech (Banco de Investimento)
Aprendizado: Regulamentação como diferencial competitivo
- Sistemas de IA precisam ser auditáveis e explicáveis
- Documentação rigorosa não é burocracia, é vantagem competitiva
- Compliance pode acelerar, não retardar, a inovação
Healthtech (Hospitais)
Aprendizado: Impacto humano como motivador supremo
- Equipes performam melhor quando veem o impacto direto no paciente
- Qualidade de dados é literalmente questão de vida ou morte
- Interdisciplinaridade é obrigatória, não opcional
Consumer Tech (Produtos WingsAI)
Aprendizado: Simplicidade na superfície, complexidade embaixo
- UX intuitiva é mais difícil em IA do que em apps tradicionais
- Usuários não precisam entender IA, mas precisam confiar nela
- Feedback loops rápidos são essenciais para ML em produção
Os Maiores Erros que Cometi
1. Superestimar Maturidade da Equipe
Em 2022, assumi que toda a equipe conseguiria migrar rapidamente para LLMs. Resultado: 3 meses de produtividade baixa até nivelarmos todos.
Solução: Sempre começar com uma “avaliação de fluência” antes de grandes mudanças tecnológicas.
2. Não Investir em Infraestrutura Cedo
MLOps não é glamoroso, mas é fundamental. Passei 6 meses refatorando sistemas que poderiam ter sido bem arquitetados desde o início.
Solução: 30% do tempo técnico da equipe sempre dedicado a infraestrutura e tooling.
3. Não Documentar Decisões Arquiteturais
IA evolui rápido. Decisões que faziam sentido há 6 meses podem parecer absurdas hoje. Sem documentação, repetimos erros.
Solução: ADRs (Architecture Decision Records) obrigatórios para qualquer decisão técnica significativa.
O Futuro da Liderança em IA
Vejo três tendências emergentes:
1. Liderança Distribuída
Com IA generativa, desenvolvedores júniors podem ter produtividade de sêniores. Isso democratiza contribuições e exige novo estilo de liderança.
2. Ética como Core Competency
Não é mais suficiente ser tecnicamente excelente. Líderes precisam navegar questões éticas complexas sobre bias, privacidade e impacto social.
3. Educação Contínua Sistematizada
O half-life do conhecimento em IA está caindo. Líderes precisam institucionalizar o aprendizado, não deixar na responsabilidade individual.
Construindo o Ecossistema Brasileiro
Como consultor do CBO e membro de várias comunidades tech, vejo minha responsabilidade além da WingsAI:
- Mentoria de outros CTOs e tech leads
- Compartilhamento de best practices através de palestras e artigos
- Advocacy por políticas públicas que favoreçam inovação responsável
- Ponte entre academia e indústria para acelerar transferência de conhecimento
Reflexão Final
Liderar em IA não é sobre ser o mais inteligente da sala - é sobre criar condições para que toda a sala seja mais inteligente. É sobre construir sistemas, cultura e pessoas que podem adaptar e evoluir junto com a tecnologia.
O Brasil tem potencial para ser protagonista global em IA. Mas isso só acontecerá se tivermos líderes que entendem que tecnologia é apenas uma ferramenta. O verdadeiro diferencial está nas pessoas e na cultura que construímos ao redor dela.
Nos próximos anos, meu foco continuará sendo formar a próxima geração de líderes tecnológicos brasileiros. Porque o futuro da IA no Brasil não depende apenas de algoritmos melhores - depende de líderes melhores.
João Victor Dias é co-fundador e CTO da WingsAI, onde lidera o desenvolvimento de produtos verticais de IA. Com experiência em bancos de investimento, hospitais e startups, já formou mais de 50 profissionais de dados e IA. Atualmente é doutorando em Ciências Médicas Oftalmológicas e consultor tecnológico do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.